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História de Rondônia: Ênio Pinheiro, o 7º governador, abriu a estrada São Pedro-Ariquemes e influenciou militares em Brasília

10 de dezembro de 2018 | Governo do Estado de Rondônia

General Ênio dos Santos Pinheiro governou duas vezes; é nome da antiga colônia penal

O ex-presidente da 2ª Companhia Rodoviária Independente, coronel Ênio dos Santos Pinheiro (PSD) teve dois mandatos no governo territorial. No primeiro, trabalhou dez meses, de 8 de novembro de 1953 a 13 de setembro de 1954.

Sobrinho e aliado do poderoso primeiro governador e deputado federal, coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, assumiu o Guaporé sob as bênçãos do presidente Getúlio Vargas.

Seu nome foi dado à lendária colônia penal de Porto Velho,  mais tarde transformada em presídio e em cuja circunvizinhança o ex-governador Confúcio Moura abriu a Fazenda Futuro, antevendo a possibilidade de um dia abastecer todos os presídios com hortifrutigranjeiros. 

Ênio voltou ao poder no Território Federal de Rondônia [4º governador] em ato assinado pelo presidente João Belchior Marques Goulart, Jango, após a célebre viagem de 31 dias que fez à China. Algum tempo depois, Jango foi deposto pelo golpe militar. No segundo mandato e já filiado ao PTB getulista, Ênio governou por mais dez meses, de 13 de setembro de 1961 a 3 de julho de 1962. 

No meteórico primeiro período, o ex-governador ocupou o cargo aclamado pelos feitos da 2ª Companhia Rodoviária Independente (CRI) por ele comandada, responsável pela derrubada de área de araçazal onde surgiu o bairro Arigolândia em Porto Velho. Em 1944, máquinas da 2ª CRI limparam tudo para a construção das primeiras casas pré-fabricadas de madeira, onde foram morar famílias de nordestinos recrutados pela recém-criada Guarda Territorial.

Aproximadamente 60 mil nordestinos vieram para Amazônia extrair látex no período em que 95% da borracha consumida no mundo era produzida pelo Acre, Amazonas e Pará. Soldados da borracha viajavam no trem da Estrada de Ferro-Madeira-Mamoré e dali alcançavam as florestas do Abunã, no lado brasileiro e boliviano.

Paralelamente ao pioneirismo rodoviário e à inauguração oficial do Palácio Presidente Vargas em 29 de janeiro de 1954, Ênio faz parte de um rumoroso acontecimento sobre o qual existem diversas versões: o sumiço do seu subordinado na 2ª CRI, tenente engenheiro militar Fernando Gomes de Oliveira, na floresta de São Pedro (BR-364) do Rio Preto, a 90 quilômetros da capital, na tarde de 29 de julho de 1945, um domingo.

Ênio chegou ao Guaporé naquele ano, para construir a rodovia Amazonas-Mato Grosso. Notabilizou-se por abrir 98 quilômetros entre São Pedro e Ariquemes, sete anos antes de ser governador. “No período da estiagem era possível transitar bem nesse trecho, ao contrário do lamaçal e dos buracos que a BR-364 acumulou mais mais tarde”, comenta o historiador e acadêmico Abnael Machado de Lima.

Com o sumiço do tenente, a companhia construtora paralisou os serviços e doou equipamentos – tratores de lâmina de médio porte e motoniveladoras – ao governo territorial.

“ALUÍZIO NÃO”

Em 1997, durante reunião do Instituto Histórico e Geográfico e da Academia de Letras de Rondônia (Acler) com o então governador Valdir Raupp e seu vice, Aparício Carvalho, o general da reserva surpreendeu os participantes. “Mesmo sem ser provocado, ele negou que Aluízio Pinheiro tenha tido algo com o desaparecimento daquele oficial”, relata o jornalista e acadêmico Lúcio Albuquerque.

Historiador e acadêmico de letras Abnael Machado de Lima

“Foi um lamentável episódio, entre outros ocorridos em Rondônia, convenientemente transformados em inexplicáveis mistérios”, avalia o historiador Abnael Machado.

O tenente Fernando veio dar continuidade à construção da rodovia Amazonas/Mato Grosso, iniciada em 1º de agosto de 1932, pelo então tenente do Exército Aluízio Ferreira, naquele período diretor da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Por falta de recursos financeiros, as obras haviam sido paralisadas na primeira década de 1940.

O sumiço foi assim: acompanhado pelo cabo Antão e um soldado, o tenente entrou na floresta para caçar e nunca mais foi visto. Segundo relataram seus acompanhantes, previamente eles combinaram que cada um seguiria uma direção e se reencontrariam na rodovia depois de quatro horas de caçada.

BUSCAS INFRUTÍFERAS

“Conforme o combinado o primeiro a sair da floresta foi o soldado, em seguida o cabo Antão. Aguardaram mais de uma hora e como o tenente não apareceu, acharam que ele teria ido para o acampamento, sem os esperar, mas ali realmente o deram como perdido”, contou nos anos 1980 o ex-prefeito e ex-deputado estadual Walter Bártolo.

Em 1945, Bártolo era soldado da 2ª Companhia e participara do exame das armas, comprovando não terem sido usadas.

O capitão Gerson Gomes de Oliveira irmão do desaparecido, participou de uma das buscas infrutíferas. Militares, jornalistas norte-americanos, o padre José Francisco Pucci, Padre Chiquinho, e o seringalista João Chaves, também.

“As mais absurdas hipóteses e descabidas invencionices foram aventadas para explicarem o desaparecimento”, explica o jornalista Lúcio Albuquerque, que se dedica ao assunto desde quando chegou ao antigo território em 1975.

“Ele teria sido morto e seu cadáver ocultado, por ordem do major Aluízio Pinheiro, porque teria seduzido uma das suas amantes, ou por ter impedido o embarque de um dos tratores da companhia, com destino a uma mineração aurífera, no Pará, da qual o Major Aluízio seria sócio”, menciona uma das hipóteses

Outra: “Teria subido numa árvore e nesta como se estivesse dopado, alheio ao tempo e aos movimentos em seu entorno, morreu de inanição, conforme Otaviano Cabral no livro de sua autoria História de uma Região”.

Outra: “Teria sido morto por dois irmãos agricultores moradores nas proximidades do acampamento, os quais foram presos e torturados, confessando terem matado o tenente, que confundiram com uma anta; foram inocentados pela Auditoria Militar mediante tão estapafúrdia confissão e o método empregado para sua obtenção”.

Outras: “Ele teria sido raptado pelos índios Boca-Negra* para servir de reprodutor, conforme noticiaram em 1948 os jornais de são Paulo e do Rio de Janeiro; teriam indígenas raptado o tenente para apurar a raça, ou ele caíra num fosso dos muitos existentes na floresta, dos quais a pessoa fica impossibilitada, por si própria, de alcançar a superfície, como também de ser encontrada”.

Essa última foi dada pelo então general Ênio Pinheiro, no encontro informal de 1997.

Citada pelo escritor Vitor Hugo no livro Os Desbravadores, a pesquisadora checa Wanda Hanke, que pesquisava indígenas na Amazônia e ouvira moradores dos vales dos rios Preto, Branco e Jamari concluíra: “Em verdade, o tenente Fernando foi vítima de vingança de certos brancos”.

COMISSÃO INICIA PLANEJAMENTO

“Rondônia, não se pode deixar de considerar que, embora muito recente, a experiência estadual não deve ser desvinculada da nacional. Assim é que a primeira documentação de alguma atividade na área segue as mesmas características de se iniciar pela organização urbana, o que se consubstancia no Decreto Territorial nº 172, de 30 de dezembro de 1950, que aprova o Plano Diretor de urbanismo das cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim”, considera o economista Sílvio Persivo.

Segundo Persivo, mais tarde pioneiro na criação e instalação de novos municípios, esses esforços isolados eram de certa forma “imitações pálidas” do que acontecia no resto do País. “No início dos anos 60, assinalou, houve uma tendência nacional para a planificação, com reflexo local: o Decreto nº 373, de 22 de maio de 1962, instituía a Comissão de Desenvolvimento de Rondônia, por iniciativa  do governador Ênio Pinheiro”.

O economista lembra que esse órgão conhecido por Comdero visava não apenas elaborar o planejamento econômico territorial, mas estudar sistematicamente as condições e potencialidades locais para a reivindicação de recursos.

NA LINHA DURA EM BRASÍLIA

Dezoito anos após deixar o cargo, o general da reserva Ênio Pinheiro ocupava o cargo de diretor patrimonial de Brasília, entre 25 de novembro de 1972 e 7 de abril de 1994.

Ênio auxiliou o temido Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão criado pelo regime militar para informar o presidente da República. Agia em silêncio e tinha escritórios nos estados.

Segundo o jornalista e historiador Hugo Studart, da Universidade de Brasília, autor do livro A Lei da Selva: imaginário e discurso dos militares, Ênio foi um dos chefes da chamada linha dura e da repressão.

“O filho dele, tenente Álvaro de Souza, combateu a guerrilha do Araguaia e, em 1990, foi promovido a general”, conta.

No livro Ernesto Geisel, os autores Celso Castro e Maria Celina d’Araújo ouviram do ex-presidente: “Ênio Pinheiro foi, na minha opinião, um dos principais entre os que fizeram a cabeça do Frota”.

A QUEDA DO MINISTRO DO EXÉRCITO,
SEGUNDO ÊNIO PINHEIRO

Dizem historiadores que o general Sílvio Frota, ministro do Exército do presidente Ernesto Geisel, queria ser presidente.  Frota via comunistas na imprensa, no Congresso, no Judiciário e até no governo. Atendia a sucessivos convites para pronunciar conferências por todo o País. 

Em abril de 1985, com 80 anos, o ex-governador de Rondônia, general Ênio Pinheiro, entrevistado pela Folha de S. Paulo, narrou o que ouvira do ex-ministro Frota, demitido pelo presidente Ernesto Geisel em 12 de outubro de 1977 em seu gabinete, no Palácio do Planalto. Era Dia de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.

Anteriormente, em 9 de abril de 1974, ainda Chefe do Estado Maior das Forças Armadas e membro do Conselho de Segurança Nacional, Frota estremecia com Geisel, a quem enviara parecer contrário a documento do Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores] sobre o reatamento de relações com a China comunista. Lembrava que, além de um país comunista, isso criaria problemas com a China Nacionalista, com quem o Brasil tinha boas relações comerciais e políticas. Já ministro do Exército, com a morte de Dale Coutinho, Frota manteve a posição e não mais tomou conhecimento do assunto.

Geisel tinha interesse em reatar com a China e pediu o general Hugo Abreu, do Gabinete Militar, que tivesse uma conversa com Frota sobre o assunto. Frota manteve-se irredutível.  Geisel restabeleceu, em 15 de agosto de 1974, as relações diplomáticas com a República Popular da China. Frota pensou em entregar o cargo, só não o fazendo em razão da responsabilidade assumida perante o Exército.

Segundo Ênio, que era aliado de Frota e dele ouviu a versão, o ríspido diálogo entre os dois generais teria sido assim:

– O presidente Geisel o tratou muito mal. Quase o agrediu. Frota chegou para a conversa e disse: ‘Bom, presidente, o que o Sr. deseja?’ Ele disse: ‘Quero o meu cargo!’ Mostrou um decreto já assinado por ele e continuou: ‘O cargo é meu!’ Já lhe disse, o cargo é meu! Assina!’ O general Frota respondeu: ‘Não vou assinar. O cargo é seu, mas quem o está ocupando sou eu. E o sr. tem todos os meios para me botar para fora. Não vou sair por espontânea vontade, salvo se o sr. me responder às seguintes perguntas: eu o traí? Fiz qualquer ato contra a sua administração? Provoquei-lhe qualquer problema no meio político?’ Geisel respondia: ‘Não.’ Diante disso, o general Frota disse: ‘Então, não tenho razão para sair espontaneamente. Não vou assinar coisa nenhuma.’ E o Geisel: ‘O sr. vai! Até logo! O cargo é meu! O cargo é meu!’ Foi um inferno. Quando Frota chegou na porta do gabinete, o presidente disse assim: ‘Frota, eu não queria que você ficasse meu inimigo por causa dessas coisas que eu disse. ’ Como é que se pode entender isso?”.

Ao deixar o cargo, 13 anos após o golpe militar de 1964, Frota saiu do Planalto e se dirigiu ao Quartel General do Exército, de onde, pouco depois, transmitiu por telex a todas as unidades uma nota de oito páginas na qual acusava o governo de ‘tolerar a infiltração de pelo menos 97 comunistas na administração e de ter tomado posições internacionais econômicas que favorecem a subversão”.

Segundo ele, o restabelecimento de relações com a China [feito por Geisel] “constituiu o primeiro passo na escalada socialista que pretende dominar o País”.

No livro Ideais traídos, escrito pelo ex-ministro entre 1978 e 1980 e publicado pela Editora Jorge Zahar, Geisel fora acusado de traidor e de chefiar “um governo de centro-esquerda”. “Ora, a centro-esquerda é a posição daqueles que, tendo pendores marxistas, veem nas reações conjunturais obstáculos difíceis de transpor para uma realização completa de seus objetivos; é apenas uma posição de espera. Defino-os como criptossocialistas”.

Para o ex-ministro, o governo Geisel [o 4º depois de 1964], “conduziria o Brasil ao socialismo e, a longo prazo, ao comunismo”.  “As pressões de Geisel para ‘destruir o sistema de segurança interna’, o reconhecimento da República Popular da China, em 1974, que abriu caminho para ‘a penetração amarela no Brasil’, e o reconhecimento da República de Angola”, declarava.

Em 1977, o próprio Frota enviava ao SNI uma lista com comunistas infiltrados na administração pública, mas o governo não lhe deu importância’. Frota morreu em 1996.

* Segundo estudos do Instituto Socioambiental, Bocas Negras, Bocas-Pretas, Cautários, Sotérios e Cabeça­ Vermelha, são encontradas na historiografia e se relacionam ao espaço geográfico ou a semelhanças culturais e linguísticas dos Jupaú e Amondawa, ou a grupos Kawahib em geral

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Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Daiane Mendonça e Sílvio Santos. Destaque: Andrey Matheus
Secom - Governo de Rondônia

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Educação, Governo, Rondônia, Sociedade


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