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19/04/2024

PERSONALIDADES

História de Rondônia: enquanto a esposa criou bairro com flagelados, Humberto Guedes colheu espinhos do drama fundiário

11 de março de 2019 | Governo do Estado de Rondônia

Gilsa Guedes, “mãe dos pobres”, à frente do marido, governador Humberto Guedes

Por trás do semblante circunspecto do marido, havia uma mulher de coração grande: Gilsa Auvray Guedes, sempre disposta a tomar a linha de frente em ações sociais. E assim o fez durante o governo do coronel do Exército Humberto da Silva Guedes.

Pessoalmente, a primeira-dama retirou famílias de áreas alagadas para iniciar a formação do Bairro Meu Pedacinho de Chão, atualmente mais perto do centro histórico de Porto Velho do que em 1977, quando nem ônibus passava por lá.

Ao lado direito, a mata cobria áreas repletas de ranchos de pau a pique, onde mais tarde surgiriam a Nova Porto Velho e o bairro Agenor de Carvalho.

Nomeado pelo presidente Ernesto Geisel, o coronel Humberto Guedes, carioca,  governou o Território Federal de Rondônia a partir de 20 de maio de 1975, sucedendo ao coronel João Carlos Marques Henriques. Até o dia 2 de abril de 1979, ele fez avançar o futuro estado, conforme relata o economista Sílvio Persivo, que trabalhou na Secretaria de Planejamento naquele governo.

“Eu, Maurílio Galvão, Cláudio Damasceno, José Aldenor Neves (todos economistas) e mais um tanto de gente, fomos conhecer a realidade rondoniense. Foi o coronel Guedes quem começou a estruturar Rondônia. Na verdade, ele programou todos os municípios, trouxe gente da UnB, o arquiteto e urbanista Sylvio Sawaya, da USP, e diversas pessoas especializadas, e nisso contou com uma ajuda forte do capitão Sílvio Gonçalves de Farias (coordenador do Incra)”.

Guedes contratava o geógrafo baiano Milton Santos (já falecido) para pensar o Estado. Graduado em Direito, formado na Universidades de Estrasburgo e Federal da Bahia (campus Ondina), considerado o “construtor da geografia cidadã”, Santos destacou-se especialmente nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo nos anos 1970.

“Estava acontecendo grande evasão dos pequenos proprietários, e para evitar isso ele projetou o que se chamava de Núcleos Urbanos de Apoio Rural (NUARs), pequenas cidades com estrutura suficiente para que o agricultor não saísse para os grandes centros urbanos”, conta Persivo.

O secretário de planejamento Luiz Cézar Auvray Guedes recorreu à experiência do Estado do Pará para elaborar o 1º Plano de Metas de Rondônia, cujo objetivo foi obter um documento que também envolvesse outros segmentos da sociedade. O governo contratava economistas, administradores, sociólogos, arquitetos, geógrafos, entre outros profissionais, em sua maioria oriundos das Universidades do Ceará e de Pernambuco.

Persivo substituíra Jorge Elage na Coordenação de Desenvolvimento e Articulação dos Municípios (Codram). Junto com uma equipe de engenheiros e arquitetos, abriu ruas em Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno, Rolim de Moura, Vilhena, Colorado do Oeste e Cerejeiras.

 

Rolim de Moura era um dos locais programados para ter um NUAR.  Com pouco tempo na Codram, o economista chegava à beira de um riacho, constatando a impossibilidade de começar a cidade a partir dali, pois os moradores viviam perto das águas e seriam vítimas da malária. Alguém havia lhe dito que mosquito anofelino (transmissor da doença)  “só voava 70 metros e morria”. Reunido com o engenheiro Benedito, Persivo convocava Valter Longo [proprietário de máquinas em Vilhena], ordenando-lhe a abertura de ruas com 100 metros de largura.

“Ora, se o mosquito só voa 70 metros, e se as ruas forem de 100 em 100 m, o mosquito não chegaria até onde estávamos”, concluía Persivo. “Tudo ilusão, saí de lá pensando: isso nunca vai dar certo, um vizinho não vai poder dar adeus pro outro. Três meses, voltei e Rolim já estava uma cidade com mais de 12 mil pessoas, e o interessante foi que eles continuaram abrindo ruas daquela largura”, diz o economista.

Economista Sílvio Persivo: planejamento participativo

Geógrafo Milton Santos pensou o Estado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 1976 a Fundação de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul treinava as equipes, promovendo reuniões com representantes de classes e órgãos públicos (Incra, Ceplac, Embrapa, Emater, Fundação Sesp, Ceron, Caerd, secretarias, prefeituras). Todos se manifestavam e encaminhavam pedidos.

Em 1979 Milton Santos concluía seu trabalho: Espaço e Urbanização no Território de Rondônia; Realidade Atuais, Perspectivas e Possibilidades de Intervenção.

Receitas públicas do extinto território se restringiam às dotações previamente fixadas. O governo enviava a Brasília formulários sobre os valores repassados e gastos. A maior parte das despesas se dava com custeios (pessoal, consumo e serviços).

No entanto, a Coordenação de Planejamento (Coplan) da Seplan constatava dura realidade: por mais que existisse competência ou disposição das autoridades, ou até mesmo compreensão do que acontecia, o volume de reivindicações era infinitamente superior ao limite da capacidade financeira disponível. “As necessidades eram ilimitadas, os recursos limitados”, lembra Persivo.

Na prática, conforme o trabalho A experiência de Rondônia em Planejamento, de Persivo e do também mestre em economia Aldenor José Neves, a Codram funcionou como forte secretaria de interior. Desta forma, a melhoria de recursos financeiros só ocorrera graças à  Secretaria de Articulação com Estados e Municípios (Sarem). Equipes técnicas recebiam gratificações de incentivos para planejar e acompanhar suas metas setoriais.

NA LINHA DE FRENTE, COM A POBREZA

Quem quisesse conhecer dona Gilsa, não precisava ir ao palácio ou à sua casa. Ela passava a maior parte do tempo em andanças. Na enchente de 1977, por exemplo, quando o rio Madeira transbordou, a primeira dama entrava nos bairros Triângulo e Baixa da União acompanhada apenas dos remadores. Ali mesmo fazia a triagem das famílias dispostas ao remanejamento para o Meu Pedacinho de Chão, onde até adotou crianças, uma delas cega – o menino Genis, educado em Brasília.

Ecila Farias Capistrano, 71 anos, hoje moradora no Bairro Aponiã, conta que a ex-primeira-dama assentou-a num lote no Pedacinho de Chão, fornecendo-lhe até madeira para construir a casa.

Ecila, acreana de Tarauacá, recém-chegada de Rio Branco, criava seis filhos e prestava auxílio voluntário a outras mães no lanche diário do Jardim de Infância Casa de Davi, quando foi observada por dona Gilsa.

— Ecila, você quer trabalhar?  perguntou-lhe.

Surpresa e, ao mesmo tempo, receosa de que o marido, Luiz Costa, a reprovasse, demorou alguns segundos para responder. Ao lado dela, outras mulheres davam sinal de positivo, para que aceitasse.

— Quero sim  disse finalmente. Ela pediu meus documentos, eu juntei, levei no palácio, e comecei a trabalhar na Pediatria do Hospital São José.

Desse modo, a primeira-dama agiu também com outras pessoas nas quais identificava situações semelhantes e logo cuidava de amparar as pessoas.

Além do esforço próprio, o bairro inspirado em telenovela recebeu doações de comerciantes. Ela propôs a cada família que se mudasse para lá. A equipe comandada por dona Gilsa definia áreas para igreja, colégio, escola infantil e mercado.

 

O governador começou e terminou seu período insatisfeito com duas oposições: a do MDB, natural e aceitável, e a do próprio Diretório Regional da Aliança Renovadora Nacional (Arena), esta, questionável. Nas eleições de 1976 Guedes perdia o controle das câmaras municipais. O MDB elegia a maioria nas duas casas legislativas. 

Em 1978, Rondônia elegeria pela primeira vez dois deputados federais. O coronel se esforçou durante 20 dias de campanha para levar a Brasília o ex-funcionário do Banco do Brasil, advogado acreano Isaac Newton Pessoa, cuja base eleitoral era Guajará-Mirim. Odacir presidia o diretório regional da Arena.                                             

Deputado Isaac Newton surpreendeu a todos

Odacir Soares, presidente do Diretório Regional da Arena

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Odacir montou uma chapa composta por ele, o vereador João Bento da Costa, Isaac Newton Pessoa e o professor Francisco Teixeira. “Ele não deu chance para a outra chapa formada pelo coronel Carlos Augusto Godoy, Leônidas Rachid e Assis Canuto. O coronel Guedes achava que essa chapa seria vencedora e cederia a quarta vaga para Odacir, que era presidente da Arena e figurava na outra chapa”, conta o economista e comunicador Eudes Lustosa.

“Convencional com nove votos, eu tinha esses dez votos, atendi o apelo do coronel Guedes e votamos na chapa que ele apoiava. No dia da convenção, a chapa do Odacir ganhou por 21 a 10. Os dez que eu prometi ao governador eram dos convencionais de Guajará-Mirim e os 21 votos vencedores eram os que Odacir dominava na convenção”, acrescenta.

Guedes colocou a máquina administrativa para trabalhar a favor de Isaac, com apoio do Incra. De todos os órgãos federais, o Incra detinha o maior orçamento, superando o próprio governo. “Isaac Newton era um funcionário semi-gago. As chances de ser eleito eram tantas quanto à de um elefante passar num buraco de fechadura, mas o governador, conforme se falava abertamente àquela altura teria recebido determinação de participar do processo eleitoral, mesmo contra a sua vontade”, relata o jornalista Lúcio Albuquerque.

“A chapa apoiada pelo governador foi derrotada. Estimulado por algumas pessoas, ele resolveu apoiar Isaac Newton,  que não tinha a menor possibilidade de ganhar, mas com o apoio de Guedes foi eleito deputado federal, surpreendendo a todos, inclusive a ele mesmo”  – Eudes Lustosa

“O governador aplicava uma lição em Odacir, que se contentava com uma suplência e só assumiria a titularidade apenas por um ano, antes de ser eleito senador em 1982”, lembra Albuquerque.

Guedes deparou-se com a precariedade das pouquíssimas estradas vicinais e chamou o 5º Batalhão de Engenharia de Construção (BEC) para cuidar da barrenta rodovia BR-364. Algumas, nunca viam a cor das máquinas, a exemplo da estrada ligando essa rodovia à Zona da Mata Rondoniense. Manchete do diário A Tribuna em 1978: Camioneiros passam 29 dias na estrada a caminho de Rolim de Moura.

A estrada ligando a BR-364 a Rolim de Moura ficava intransitável no período chuvoso

DRAMA AGRÁRIO

O governo reagia, conforme a manchete desse mesmo jornal, em 21 de julho daquele ano: Guedes diz ao Conselho de Segurança Nacional que Incra precisa melhorar estradas.

A produção agrícola não escoava, o prejuízo e a malária levavam à falência milhares de assentados em projetos do Incra, cuja coordenadoria regional, durante seu governo, foi ocupada pelo amazonense Bernardo Martins Lindoso, irmão do influente senador José Lindoso (Arena-AM).

O deputado federal Jerônimo Santana (MDB-RO) cobrava da Polícia Federal resultados do inquérito instaurado – e mantido a sete chaves – pelo Incra para apurar a venda ilegal de terras devolutas por funcionários da autarquia em Pimenta Bueno. Manchete do jornal A Tribuna na edição de 29/11/78: Incra toma terras de colonos para negociá-las.

O processo INCRA/BR/5.139/75 para apurar irregularidades no Projeto Fundiário de Rondônia totalizava mais de quinhentas páginas, em três volumes. Ainda assim, alguns envolvidos seguiam trabalhando sem serem incomodados.

O parlamentar lamentava que na legalização de 12 mil hectares do Seringal 70 para o fazendeiro Aldo Cantanhede ocorreram despejos de colonos “sem indenização de benfeitorias”. Em contrapartida, dizia, ele, “benfeitorias inexistentes” eram avaliadas em um milhão e 500 mil cruzeiros. Nesse seringal, posseiros haviam adquirido terras dez a 15 anos antes do conflito, de soldados da borracha.

Houve casos de grilagem no Seringal Muqui, na empresa Calama S/A, Seringal 70, Curralinho, Nova Vida e Cajazeiras, ao longo da rodovia BR-364.

 

Segundo o advogado Amadeu Guilherme Matzenbacher Machado, que trabalhou no Incra nos anos 1970,  os irmãos Arantes (empresa Gainsa) conseguiram regularizar a Fazenda Nova Vida, com 20 mil hectares, porque haviam comprado um imenso seringal dos irmãos Flodoaldo e Emanoel Pontes Pinto. “A pretensão era muito maior”, assinalou.

Em 1979, nota da Comissão Pastoral da Terra assinada pelos bispos dom Moacyr Grechi e dom José Martins da Silva, reunidos em Ouro Preto, assinalava: “É clamorosa a situação de índios, lavradores e seringueiros. Aqueles destituídos das terras que por direito lhes cabem, expulsos e humilhados, desintegrados de seus valores e costumes por uma política oficial que privilegia os interesses de grupos econômicos nacionais e estrangeiros”.

Em 1977 a Funai havia demarcado o Parque Indígena do Aripuanã, onde estão circunscritas mais de 20 aldeias do povo Paiter Suruí*, porém, a Colonizadora Itaporanga, dos irmãos Melhorança loteara parte da reserva, trazendo famílias do Estado do Espírito Santo.

Grilagem expulsou posseiros entre 1976 e 1977. Denúncias chegaram à CPI da Terra.

Em conflito armado, morreram brancos invasores e índios. Muitos colonos levados pelos Melhorança ali chegaram com boa fé, depois constataram que estavam sendo caçados pela Funai e pela Polícia Federal.

Um ano depois, a situação ainda era tensa: “Índio não é gado, por isso, não pode ser trocado de invernada para invernada ao sabor dos poderosos”, protestava o sertanista Apoena Meireles.

No entendimento do Incra, a reserva deveria recuar para melhor disciplinar o processo migratório nas circunvizinhanças do Parque do Aripuanã.

 

 

No cômputo geral, 120 mil pessoas foram inicialmente assentadas durante a coordenação do capitão Sílvio Gonçalves de Farias.

Dinheiro do Banco da Amazônia S/A (Basa), nem pensar. Bancos e Incra não falavam a mesma linguagem. Gerentes de agências do Basa, que em princípio se instalara no território para desenvolvê-lo, recusavam-se a conceder financiamentos com base nas LOs (licenças de ocupação), algo que o Banco do Brasil atendia, desde que redigida carta de anuência.

SOBRAVAM CARTAS DE ANUÊNCIA, FALTAVAM TÍTULOS DEFINITIVOS

Até 1976, 42 mil pessoas haviam sido assentadas nos projetos do Incra em 18 estados. Esse volume pouco representava, já que a documentação expedida foi pequena. Sobravam cartas de anuência e faltavam títulos definitivos. Essa ladainha fora exposta aos deputados na CPI da Terra por sucessivos depoimentos de advogados, funcionários do Incra, religiosos, sociólogos, jornalistas e até por governadores de estados amazônicos.

Indignado, ao comentar a situação de posseiros na gleba Burareiro, em Ariquemes, deputado Santana desafiava: “Existe desvio de finalidade do Incra em Rondônia; sua função não é pedir despejo de colonos e posseiros, e sim, de grileiros, esses mesmos aos quais oferecem festas e banquetes”. A área com 218 mil hectares havia sido objeto de alienação através de concorrência pública (DF-01/77), para projetos agropecuários que melhor desenvolvessem economicamente a região.

Em Porto Velho, o então gerente da principal agência do BB, Célio Foresto, dava a notícia alvissareira em 1979: empréstimos para agricultura subiam de 150 para 580 milhões de cruzeiros. O Basa, na contramão, financiava de olhos fechados a expansão de pastagens e projetos pecuários, nada de alimentos.

Rolim de Moura, após o projeto do Incra: ônibus de linha e jipe Gurgel na paisagem

LEITE NINHO, VILÃO INFLACIONÁRIO

Em 1979, Colorado do Oeste tinha uma frente de colonização com cerca de 20 mil pessoas, a maioria vítima de malária. Enquanto fazendeiros recebiam terras planas e férteis, colonos ficavam com as piores, situadas em áreas com excesso de morros, baixadas e subidas.

O solo vermelho, com florestas exuberantes, atraía grandes grupos, entre eles, Terra Rica S.A (110 mil hectares); Oscar Martines ( 48 mil ha) e João Arantes do Nascimento (38 mil ha). Latifundiários instalaram-se na região visando assegurar posses das terras e instalar agropecuárias.

 

Tudo estava inflacionado naquele período: o açúcar era vendido a 35 cruzeiros o saco de dois quilos; farinha de trigo a 20 cruzeiros, sal (um quilo) a 10, lata de óleo de soja a 40, leite Ninho a 60 a lata, e o litro de gasolina a 15.

A estrada Vilhena-Colorado fora construída quatro vezes e só dava prejuízos. Para ir a Vilhena de caminhão, colonos pagavam taxa de mil cruzeiros ao chefe de transportes do Incra, mais gorjeta 500 ao proprietário do veículo. E assim conseguiam um trator esteira D-8 para rebocá-los nos atoleiros.

Dois anos antes da CPI da Terra, o Incra declarou ter distribuído 11,8 mil títulos em seus projetos fundiários na Amazônia Legal, dos qais, só dois mil eram definitivos. “Como promover o acesso à terra de milhares de colonos, sem dimensionar o escoamento, o transporte, o armazenamento e a comercialização da produção? O colono produz arroz, milho e, depois, não tem para quem vender”, questionava o deputado Jerônimo Santana (MDB-RO), relator da CPI.

Era comum colonos trocarem sacos de arroz por açúcar ou latas de leite em pó. Mesmo nesse clima de dificuldades, Guedes fincou as bases do estado, assinando leis criando os municípios de Ariquemes, Cacoal, Ji-Paraná, Pimenta Bueno e Vilhena.

Dois milhões de hectares do Projeto Corumbiara licitados formaram latifúndios de grupos paulistas. Sonegava-se o imposto territorial rural e 26 mil pessoas estavam sem terra.

 

Usinas a óleo diesel forneciam energia elétrica, porém, constantes apagões atormentavam a população da Capital, de aproximadamente cem mil habitantes.  A Petrobras cortou algumas vezes o fornecimento de óleo. Porto Velho ficava às escuras e ao voo de baratas. Durante visita do presidente Ernesto Geisel à Capital, em 1976, o governador chegou a lhe sugerir a criação do estado, mas não foi bem sucedido, embora em outubro de 1977 o general dividisse Mato Grosso.

Guedes deixou o cargo em 2 de abril de 1979. Na carta pública denominada Aos amigos de Rondônia, em 12 de outubro de 1982, ele se queixava do sucessor, coronel Jorge Teixeira de Oliveira, a quem acusava de “detratar” a sua administração.

O presidente Geisel visita Porto Velho, criando mais cinco municípios

CHÁ DE CADEIRA E
QUEIXAS DE TEIXEIRÃO 

“Não poderia continuar em um partido (PDS), cujos dirigentes em Rondônia tratam aqueles que me apoiaram como adversários políticos”.

Referia-se ao coronel Carlos Augusto Godoy, ex-comandante de fronteira do Acre e Rondônia. “Ele só ingressou na oposição (MDB), porque foi rejeitado pelo PDS”, escrevia Guedes. “Ao mesmo tempo em que me chama de irmão, reúne-se amigavelmente com todos aqueles que foram ferrenhos opositores à minha administração, para contemplá-los com importantes cargos na administração e no comando do PDS”, queixava-se Guedes. Incisivo, dizia desconhecer as razões do governador (Teixeira) tratá-lo como adversário. “Nunca tive pretensões políticas ou outras aspirações que representassem ameaça às suas grandes ambições”, continuava.

Para Guedes, a atitude de Teixeira teria impossibilitado, por exemplo, as candidaturas do ex-governador João Carlos Mader, do ex-prefeito de Guajará-Mirim, Rigomero da Costa Agra, e do deputado Antônio Morimoto, que trocara São Paulo por Rondônia.

Mais de 30 anos depois, ele contou ao repórter, em Brasília, que levara “chá de cadeira” antes de projetar o crescimento das lavouras cafeeiras ao ministro da Indústria e Comércio, Ângelo Calmon de Sá. Calmon o dissuadia, alegando que Rondônia deveria se contentar com a riqueza mineral. “Para não me indispor com o presidente, em respeito à hierarquia, deixei de comentar o assunto com vocês naquela época”, ele justificava.

O governador percebeu que o ministro baiano defendia interesses de seu estado. O grupo Fischer exportava cacau pela primeira vez, para Hanover (Alemanha). O agrônomo Assis Canuto, um dos mentores do negócio, acreditava no êxito da lavoura, apesar dos percalços sofridos com a disseminação do fungo vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa).

Ariquemes estava infestada, mesmo assim, não se descartava a criação do polo exportador, via Porto Velho. O grupo Fischer havia conseguido financiamento da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e pretendia beneficiar as colheitas aqui mesmo. Em meio a batalhas burocráticas nos escalões do poder, em Brasília, o então presidente do Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau, Humberto Salomão Mafuz entregava documento ao presidente Geisel, condenando investimentos em cacaueiros rondonienses por causa do fungo. Golpe duro.

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* Os Suruí se autodenominam Paiter, que significa “gente de verdade, nós mesmos”. Falam uma língua do grupo Tupi e da família linguística Mondé. O plural de paiter é paiterei, mas, para efeito de padronização dos nomes indígenas no Brasil, aqui serão chamados de os Paiter.

1979 – Colono vende alho ao lado agência do BB, em Ji-Paraná

RONDÔNIA COM GUEDES

O secretário de agricultura Edgar Cordeiro instalou em Costa Marques o primeiro berçário de tartarugas e tracajás da Amazônia Ocidental, conservando essas espécies de quelônios.

Guedes criou núcleos, entre os quais, os de Apoio Administrativo e da Secretaria de Finanças, divididos provisoriamente entre o titular, Alexandre Ferreira Lima Neto, e o auxiliar, Arthur de Mello Júnior. O major Arthur morreu na explosão de um avião Minuano em Jaru.

De 1975 a 1979, dentro do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o território recebeu o Polamazônia (Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia), cujo objetivo foi criar polos agrícolas regionais que permitissem fixação populacional nas áreas de mineração e de interesse estratégico, formando zonas de integração para a concentração de capitais.

Em meados dos anos 1970, o rebanho bovino de Cacoal ultrapassava 6 mil cabeças. Nas áreas do Projeto de Colonização Gy-Paraná (na época escrito com G), próximas àquele município havia 1,1mil cabeças; ao longo da BR-364, 3,8 mil, e nos finais de linha, 1,45 mil. Rondônia já criava gado mestiço nelore, gir e indu-Brasil, com matrizes trazidas dos estados de Mato Grosso e Minas Gerais. Ainda não havia exportação.

A produção de leite in natura era muito pequena, de 1,5 mil litros por dia. Leite em pó vendia bem naquela cidade e em todas as outras do território. Hortifrútis vinham de Presidente Prudente (SP) e Campo Grande (MS), distribuídos por caminhões da empresa Takigawa, que atuava aqui e no Acre.

Era de 40 cruzeiros, com alimentação, o valor da diária do trabalhador braçal no território, e de 50, sem alimentação; na zona rural, 30 e 40 cruzeiros respectivamente.

Guedes transformou a Guarda Territorial em Polícia Militar e construiu o quartel da corporação. Construiu ainda a sede do Instituto Médico-Legal, o primeiro prédio do Tribunal de Contas, e reestruturou a segurança pública. Reformou o Palácio das Secretarias (antigo Porto Velho Hotel) na Capital e iniciou as obras da Esplanada das Secretarias, no Bairro Pedrinhas. Construiu o prédio do Fórum Rui Barbosa, primeira sede do futuro Tribunal de Justiça e concluiu o projeto da hidrelétrica de Samuel.

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Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Arquivos Sejucel, Abifina, Montezuma Cruz, Afotom e Câmara
Secom - Governo de Rondônia

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